Reinaldo Lobo*
Alguns ideólogos que
freqüentam a nossa imprensa estão em
entusiástica campanha para tornar charmosos os "liberais"
brasileiros, acusados pela esquerda de "direitistas". Ninguém no
Brasil gosta de ser chamado "de direita". Esses formadores de opinião
explicam que isso decorre de uma conspiração insidiosa dos esquerdistas, que se
apresentam como depositários da virtude, da democracia e da generosidade.
Como sempre, os intelectuais que
representam a fina flor do "liberalismo" brasileiro argumentam por
teorias conspiratórias, como a da operação para seqüestrar as mentes dos jovens
ou da infiltração sorrateira da campanha subliminar comunista. Ideologicamente,
esses luminares estão ainda na Guerra Fria, os seus argumentos são muito
antigos, mas a forma de apresentação é mais "moderna", ou melhor ,
"pós-moderna". Alegam que a esquerda é quem está
"atrasada", pois o mundo mudou filosoficamente em direção ao
neoliberalismo. Vamos por partes.
A teoria da conspiração mental
transformaria "o assassino Che Guevara" em ícone da juventude até
hoje e a esquerda deteria o monopólio do charme. Tudo passaria pela propaganda
pura e simples e pela infiltração de intelectuais gramscianos na educação, na
mídia e na cultura em geral. Em outras palavras, tudo são truques psicológicos
de "maquiavélicos" estrategistas marxistas. Por esse raciocínio, tudo
passa pelo espiritual, nada pela
história nem pela matéria.
O método de reflexão desses ideólogos
neocons é abstrato, não examina a sociedade nem o sentido dos fatos ao longo do
tempo. As palavras em questão -- "direita" e "liberais"--
não afastam os jovens e os brasileiros em geral por acaso.
Ninguém quer ser de direita porque há uma
vergonha de longa data associada à palavra, pelo menos entre nós. A nossa
Direita tem sido campeã de violações de Direitos Humanos e da disseminação dos
mais flagrantes preconceitos, como o social, o racial e o sexual. E a chamada
Direita Liberal, que proclama defender a democracia e a liberdade de imprensa,
foi a co-autora do Golpe de 64, que promoveu a censura e obscurantismo.
A nossa Direita, inclusive a Liberal,
segurou a chibata e defendeu a escravidão. A oligarquia "liberal" que
governa a economia, a grande mídia, a TV, a imprensa escrita e que dita as
regras da sociabilidade no País, é herdeira direta das famílias que se
proclamavam "liberais" no século XIX,mas tinham escravos na cozinha e
na fazenda. Mesmo no século XVII, quando surgiram os primeiros "liberais',
muitos deles eram senhores de escravos.
A palavra "direita" , assim como
o termo mais ambíguo, "liberal", têm significado diferente em outros países.
Nos EUA, ser liberal significa ser de
esquerda ou , no mínimo, pertencer à esquerda do Partido Democrata. Os
conservadores norte-americanos se autodenominam, logicamente, conservadores. Em
geral, são republicanos e defendem , como os "liberais" brasileiros, "a
menor intervenção possível do Estado" na economia.
Já na França a direita tem uma origem nobre
na Revolução Francesa. Era formada pelos parlamentares que se sentavam à
direita da Assembléia republicana, sobretudo os girondinos, e que se
diferenciavam dos que se situavam à esquerda, os radicais jacobinos e os
igualitaristas, que defendiam a plebe ou os cidadãos mais pobres.
A direita francesa era conservadora, moderada
quanto à participação popular nas decisões e quanto aos princípios ideológicos
republicanos. A esquerda jacobina teve tudo a ver com a radicalização da
Revolução, mas ambos os lados estiveram envolvidos com o Terror e a guilhotina.
Quase dois séculos depois, o general De Gaulle não hesitava em assumir o título
de "direita nacional",
herdeira da tradição conservadora, e um sociólogo como Raymond Aron, de alto
nível intelectual, não se vexava quando ía a um debate na TV e o apresentavam
como um pensador "de direita". Hoje, há uma extrema-direita, com já
houve os "pieds noirs" militares que não queriam a independência da
sua colônia argelina, mas nem por isso a palavra "direita" perdeu uma
certa respeitabilidade política na França, como sinônimo de
"conservador".
No Brasil fica fácil entender porque "liberais"
e "direitistas" não têm charme. Representam historicamente os
privilégios e até a tortura. Muitos dos principais governadores e prefeitos
biônicos durante a Ditadura Civil-Militar eram notórios empresários "liberais".
Por ser ambígua e ter significados
distintos na linguagem e no senso comum, a palavra "liberal" é a mais
enganadora. Costuma-se chamar de "liberal" quem tem costumes
avançados, quem possui mentalidade aberta e livre. Mas, entre nós, os
"liberais" são os mais conservadores quanto aos costumes, ainda que
alguns dos seus ideólogos neguem isso, e os portadores de mais preconceitos
sociais e raciais. Perguntem a qualquer um deles se deixaria sua filha casar ou
sequer namorar um negro pobre.
Os "liberais" confundem-se com os
ricos e com a defesa da propriedade privada. A pobreza é vista como um estorvo
a ser vencido pela geração de empregos em uma sociedade "livre" de
direitos sociais e de taxas do Estado para captar recursos contra a ...pobreza.
Alguns dos nossos "liberais"
admiram a China Comunista : lá não há direitos trabalhistas suficientes para
atrapalhar a produtividade em grande escala e quase não há greves (recentemente
houve a primeira em duas décadas). Lá é quase o paraíso do mercado livre ! Pois
os nossos charmosos "liberais" -- alguns deles até a favor do aborto,
pois esta prática "não deve ser controlada pelo Estado" (privatização
do aborto)-- pararam de criticar a China desde que ela introduziu espaços de
livre mercado na economia. Não tem tanta importância, para eles, que a China
seja um país violador de Direitos Humanos, pois estes são do âmbito do
liberalismo político, coisa do passado. Nossos modernos "liberais" só
se interessam pela eficiência e a acumulação.
Outro truque com palavras dos neocons
consiste em dizer que a diferença entre Direita e Esquerda não existe mais. Afinal,
o mundo todo é capitalista! Borrar e confundir a diferença é conveniente para
esconder a Direita, mas é mais possível entre nós porque há uma indeterminação
dos partidos políticos. Existe uma enorme dificuldade de localizar os partidos,
os próprios políticos e até mesmo os comentadores "liberais" em meio
ao amplo espectro de siglas inócuas, ocupado e disfarçado pela ...Direita. Ela
está quase sempre no poder, possui o dinheiro e manipula a cena ao ponto de
deter a hegemonia sob a aparência de um "centrão" fisiológico e
oportunista. Coopta até a esquerda com o seu charme e elegância. São inúmeros
os políticos atuais que transitaram para a "centro direita" do arco
íris que esconde uma cor só, a do capital.
Estão errados os ideólogos da direita que
dizem que os jovens não são atraídos para ela. Uma parte da juventude é
constituída pelos que desejam ardentemente ser "playboys" ou, então,
casar com eles. O seu charme está sobretudo em uma parte do corpo humano
bastante conhecida: o bolso.
* Reinaldo Lobo é
psicanalista e jornalista. Tem uma página pública no Facebook: www.facebok.com/reinaldolobopsi.
E tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com
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