domingo, 18 de maio de 2014

O DISCRETO CHARME DA DIREITA LIBERAL


                        

 

                                                                                 Reinaldo Lobo*

 

 

       Alguns ideólogos que freqüentam  a nossa imprensa estão em entusiástica campanha para tornar charmosos os "liberais" brasileiros, acusados pela esquerda de "direitistas". Ninguém no Brasil gosta de ser chamado "de direita". Esses formadores de opinião explicam que isso decorre de uma conspiração insidiosa dos esquerdistas, que se apresentam como depositários da virtude, da democracia  e da generosidade.

      Como sempre, os intelectuais que representam a fina flor do "liberalismo" brasileiro argumentam por teorias conspiratórias, como a da operação para seqüestrar as mentes dos jovens ou da infiltração sorrateira da campanha subliminar comunista. Ideologicamente, esses luminares estão ainda na Guerra Fria, os seus argumentos são muito antigos, mas a forma de apresentação é mais "moderna", ou melhor , "pós-moderna". Alegam que a esquerda é quem está "atrasada", pois o mundo mudou filosoficamente em direção ao neoliberalismo. Vamos por partes.

      A teoria da conspiração mental transformaria "o assassino Che Guevara" em ícone da juventude até hoje e a esquerda deteria o monopólio do charme. Tudo passaria pela propaganda pura e simples e pela infiltração de intelectuais gramscianos na educação, na mídia e na cultura em geral. Em outras palavras, tudo são truques psicológicos de "maquiavélicos" estrategistas marxistas. Por esse raciocínio, tudo passa pelo  espiritual, nada pela história nem pela matéria.

     O método de reflexão desses ideólogos neocons é abstrato, não examina a sociedade nem o sentido dos fatos ao longo do tempo. As palavras em questão -- "direita" e "liberais"-- não afastam os jovens e os brasileiros em geral por acaso.

    Ninguém quer ser de direita porque há uma vergonha de longa data associada à palavra, pelo menos entre nós. A nossa Direita tem sido campeã de violações de Direitos Humanos e da disseminação dos mais flagrantes preconceitos, como o social, o racial e o sexual. E a chamada Direita Liberal, que proclama defender a democracia e a liberdade de imprensa, foi a co-autora do Golpe de 64, que promoveu a censura e obscurantismo.

    A nossa Direita, inclusive a Liberal, segurou a chibata e defendeu a escravidão. A oligarquia "liberal" que governa a economia, a grande mídia, a TV, a imprensa escrita e que dita as regras da sociabilidade no País, é herdeira direta das famílias que se proclamavam "liberais" no século XIX,mas tinham escravos na cozinha e na fazenda. Mesmo no século XVII, quando surgiram os primeiros "liberais', muitos deles eram senhores de escravos.

    A palavra "direita" , assim como o termo mais ambíguo, "liberal", têm significado diferente em outros países. Nos EUA, ser  liberal significa ser de esquerda ou , no mínimo, pertencer à esquerda do Partido Democrata. Os conservadores norte-americanos se autodenominam, logicamente, conservadores. Em geral, são republicanos e defendem , como os "liberais" brasileiros, "a menor intervenção possível do Estado" na economia.

  Já na França a direita tem uma origem nobre na Revolução Francesa. Era formada pelos parlamentares que se sentavam à direita da Assembléia republicana, sobretudo os girondinos, e que se diferenciavam dos que se situavam à esquerda, os radicais jacobinos e os igualitaristas, que defendiam a plebe ou os cidadãos mais pobres.

  A direita francesa era conservadora, moderada quanto à participação popular nas decisões e quanto aos princípios ideológicos republicanos. A esquerda jacobina teve tudo a ver com a radicalização da Revolução, mas ambos os lados estiveram envolvidos com o Terror e a guilhotina. Quase dois séculos depois, o general De Gaulle não hesitava em assumir o título de  "direita nacional", herdeira da tradição conservadora, e um sociólogo como Raymond Aron, de alto nível intelectual, não se vexava quando ía a um debate na TV e o apresentavam como um pensador "de direita". Hoje, há uma extrema-direita, com já houve os "pieds noirs" militares que não queriam a independência da sua colônia argelina, mas nem por isso a palavra "direita" perdeu uma certa respeitabilidade política na França, como sinônimo de "conservador".

   No Brasil fica fácil entender porque "liberais" e "direitistas" não têm charme. Representam historicamente os privilégios e até a tortura. Muitos dos principais governadores e prefeitos biônicos durante a Ditadura Civil-Militar eram notórios empresários "liberais".

    Por ser ambígua e ter significados distintos na linguagem e no senso comum, a palavra "liberal" é a mais enganadora. Costuma-se chamar de "liberal" quem tem costumes avançados, quem possui mentalidade aberta e livre. Mas, entre nós, os "liberais" são os mais conservadores quanto aos costumes, ainda que alguns dos seus ideólogos neguem isso, e os portadores de mais preconceitos sociais e raciais. Perguntem a qualquer um deles se deixaria sua filha casar ou sequer namorar um negro pobre.

    Os "liberais" confundem-se com os ricos e com a defesa da propriedade privada. A pobreza é vista como um estorvo a ser vencido pela geração de empregos em uma sociedade "livre" de direitos sociais e de taxas do Estado para captar recursos contra a ...pobreza.

   Alguns dos nossos "liberais" admiram a China Comunista : lá não há direitos trabalhistas suficientes para atrapalhar a produtividade em grande escala e quase não há greves (recentemente houve a primeira em duas décadas). Lá é quase o paraíso do mercado livre ! Pois os nossos charmosos "liberais" -- alguns deles até a favor do aborto, pois esta prática "não deve ser controlada pelo Estado" (privatização do aborto)-- pararam de criticar a China desde que ela introduziu espaços de livre mercado na economia. Não tem tanta importância, para eles, que a China seja um país violador de Direitos Humanos, pois estes são do âmbito do liberalismo político, coisa do passado. Nossos modernos "liberais" só se interessam pela eficiência e a acumulação.

     Outro truque com palavras dos neocons consiste em dizer que a diferença entre Direita e Esquerda não existe mais. Afinal, o mundo todo é capitalista! Borrar e confundir a diferença é conveniente para esconder a Direita, mas é mais possível entre nós porque há uma indeterminação dos partidos políticos. Existe uma enorme dificuldade de localizar os partidos, os próprios políticos e até mesmo os comentadores "liberais" em meio ao amplo espectro de siglas inócuas, ocupado e disfarçado pela ...Direita. Ela está quase sempre no poder, possui o dinheiro e manipula a cena ao ponto de deter a hegemonia sob a aparência de um "centrão" fisiológico e oportunista. Coopta até a esquerda com o seu charme e elegância. São inúmeros os políticos atuais que transitaram para a "centro direita" do arco íris que esconde uma cor só, a do  capital.

    Estão errados os ideólogos da direita que dizem que os jovens não são atraídos para ela. Uma parte da juventude é constituída pelos que desejam ardentemente ser "playboys" ou, então, casar com eles. O seu charme está sobretudo em uma parte do corpo humano bastante conhecida: o bolso.

 

 

* Reinaldo Lobo é psicanalista e jornalista. Tem uma página pública no Facebook: www.facebok.com/reinaldolobopsi. E tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com

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