domingo, 27 de dezembro de 2020
O QUE É SER DE ESQUERDA HOJE?
sexta-feira, 27 de novembro de 2020
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
UM FIO DE ESPERANÇA
sábado, 19 de setembro de 2020
HISTÓRIA MAL CONTADA
domingo, 6 de setembro de 2020
MENTIRAS QUE NOS CONTARAM
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
O PODER E AS REDES SOCIAIS
Reinaldo Lobo
Existem quatro tipos de hackers:
1. o ladrão, que invade os
dados dos outros para roubar dinheiro, usar seu cartão ou levar sua identidade;
2. o mercenário, especialista em espalhar fake
news a serviço de Carluxo Bolsonaro, de Steve Bannon e de Donald Trump;
3. o curioso, geralmente adolescente, que quer
xeretar a vida alheia e bagunçar;
4. o hacker militante, que quer revelar segredos
de Estado para o povo, desmantelar o crime político e a corrupção, como Assange
e Snowden. Estes, também são chamados de “hackers do bem”.
Pode ser que talvez já exista um quinto grupo
em formação, o dos cidadãos que querem se proteger da invasão e do roubo de
dados sobre suas vidas. Nesse caso, os ladrões seriam os governos e as empresas
que nos fazem colocar na rede nossos números de CPF, telefone e endereço. Como
fazem uso disso, certamente é a favor deles, não do nosso lado, o povo.
O hacker é um personagem da transição
para o século XXI. Não existiria se não houvessem as redes sociais e a
internet, que criou o especialista em eletrônica, filhos do Vale do Silício.
Alguns desses jovens inteligentes viraram Bill Gates, Mark Zuckerberg, Eduardo
Saverin, Jeff Bezos. Outros, estão por aí infernizando a vida do próximo.
As relações e funções dos novos
especialistas, incluindo aí os hackers, com a democracia e o poder político são
bastante ambíguas. Podem ter um efeito positivo ou negativo. Políticos
indianos, brasileiros e norte-americanos acusam o Facebook, o Whattsapp, o
Instagram e o Twitter de provocarem uma deformação dos últimos resultados
eleitorais nas eleições gerais de seus países.
É difícil aferir a extensão do dano ao
processo democrático, não só pela complexidade introduzida no sistema de
comunicação, mas também porque as redes sociais são parte da criação da “Era da
Pós Verdade” em que vivemos, quando os fatos se tornaram em muitos lugares
puras versões, ou como se diz, narrativas.
Um uso positivo dos novos meios de
comunicação atuais , a favor da democratização, é quando se limitam a divulgar
ideias políticas fora da publicidade paga ou oficial e apresentam alguém até
então desconhecido do público, como Barak Hussein Obama, em 2008.
Para quem não se lembra, foi uma equipe de
jovens afeitos à Internet, principalmente de fora do Partido Democrata, que
espalhou a boa nova de um candidato negro à presidência dos EUA. Até então,
Obama era um jovem político, senador por Chicago, com boa votação em seu
Estado, mas sem prestígio dentro do seu próprio partido e nada conhecido em
escala nacional.
O resultado todos conhecem: houve uma “onda
Obama” no eleitorado jovem e negro que se espraiou para todas as áreas. A
vitória nas primárias, contra Hilary Clinton, foi apertada e teve momentos
ásperos de acusações, onde Obama chegou a ser apresentado como um esquerdista
oportunista que teria “hackeado” fontes da adversária.
Na
eleição geral, contra o republicano John McCain, um candidato que parece ter
jogado limpo nas redes, a vitória do democrata foi nítida. Mas, mesmo então,
surgiram, por fora dos partidos, vindo da extrema direita que mais tarde
encarnaria em Trump, insinuações de que Obama era um muçulmano a serviço do
terrorista Osama Bin Laden. A vida
seguiu e, no poder, Obama coordenou o ataque que desmentiu essas insinuações,
matando o terrorista, o que não fora conseguido pelo republicano George W.
Bush.
O
potencial político dos hackers ficou evidente com a enxurrada de fake news
orientadas pelo ultradireitista Bannon e as sucessivas equipes eleitorais, em
2017, na campanha e eleição de Trump. Até mesmo hackers russos, a essa altura
cooptados em grande quantidade por Putin, teriam participado da destruição da
imagem de Hilary Clinton.
Na
China, o governo totalitário capitalista-comunista (caso único no planeta)
controla as redes e a mídia em geral. Se houver hackers, como na Rússia
capitalista do Czar Putin, trabalham para o poder. O temor desses governos
revela o potencial subversivo das redes e dos hackers.
Certa
vez, quando se discutia na esquerda como se posicionar diante das novas
realidades-- uma vez que a classe operária foi ao paraíso sob o capitalismo de
consumo, integrada e domesticada pelos sindicatos--, todos os presentes ao
debate se perguntavam qual seria o grupo, classe ou categoria que poderia se
rebelar ao ponto de iniciar uma mudança revolucionária. Alguns poucos mais
ousados disseram: “os hackers”!
Se for verdade
que não estamos mais na era do social, mas das diferenças e conflitos
culturais, não haverá dúvida de que os hackers e as redes sociais podem ter um
papel decisivo na formação da opinião pública, inclusive impulsionando as
mudanças.
Quem for democrata irá preferir que essas
mudanças derrubem instituições autoritárias e instituam uma democracia, mas de,
qualquer modo, tudo depende da orientação dos líderes e dos hackers envolvidos.
Isso implicaria num movimento prévio arrebanhando multidões de adeptos, o que
não seria nada fácil, pois os agentes do status quo cuidariam de opor barreira tecnológicas,
legais e politicas à mobilização. Estaria criada a guerra do hackers.
Qualquer que seja o desenlace da nossa
utopia, o fato é que hoje, no presente, já estão criando regras e leis de
controle das mídias de modo a impedir sua maior democratização. Um dos perigos
da democracia para o poder, seja ele qual for, é que além de ser representativa,
ela permite a criação de novos direitos—culturais, sociais, biossociais e
ambientais.
A característica mais revolucionária do
regime democrático é permitir a transparência das informações e restringir a
área de segredo imposta pelo poder. A outra é justamente a de gerar novos
direitos. Para isso, é necessário um fluxo de conteúdos pelas redes sociais e
não apenas deputados, vereadores, senadores sensíveis às causas populares.
Ao contrário do que muitos acreditam a
respeito dos meios de comunicação do século XXI, que seriam um Big Brother
repressivo e sua maior parte, pode ser que exista um aumento da participação
decisória do povo em escala até mundial. Um exemplo de assembleia pode ser o
“zoom” da internet, que pode escapar eventualmente ao controle do Estado, se
for manejado por hackers ou especialistas em comunicação comprometidos com as
causas populares.
A nossa esperança democrática pode estar nas
redes sociais e também nas mãos nos hackers militantes.
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
O FIM DO SEGREDO
Reinaldo Lobo
Uma psicanalista francesa brilhante, já
falecida, Piera Aulagnier, escreveu um artigo que ganhou notoriedade nos anos
70 e 80, intitulado “O Direito ao Segredo – condição para poder pensar”. Nessa época,
havia muitos regimes totalitários no mundo e alguns interpretaram seu escrito
como um protesto contra a invasão da vida privada e da intimidade pessoal pelas
ditaduras de plantão. Era isso em parte, mas sua ideia ia muito além e
alcançava o futuro, que é hoje.
Seu pensamento sugeria que, para poder pensar,
o sujeito humano precisa ter uma área só sua, uma zona secreta, uma reserva de
solidão. Ou seja, necessita de uma certa invisibilidade e intimidade não
devassada pelos outros ou pelos meios de comunicação.
Aulagnier ilustrava seu artigo com uma
vinheta clínica curiosa, sobre um homem que lhe pediu uma consulta, não para
ele, mas para indicar à sua mulher, que estaria “louca”. Quando a psicanalista perguntou por que a
julgava louca, ele respondeu:” Ela fala tudo o que lhe vem à cabeça, tudo o que
pensa.”
A loucura, comentou Aulagnier, pode ser
vista como a loucura de um discurso. Poderíamos acrescentar: é possível vê-la
também como a falta de continência do discurso e de limites para a psique. Se
dizemos tudo o que nos vem à cabeça, podemos acabar levando um tiro. É um
risco, mas as pessoas não param de devassar suas vidas, de se exibir por todos
os meios eletrônicos e de tornar “transparentes” suas existências. Talvez
Umberto Eco tivesse razão quando disse que a “internet deu a palavra a todos os
idiotas”. Não só a eles, mas também a eles.
A sociedade contemporânea sofre de algo paradoxal, contido em apenas em germe no artigo de Aulagnier: tudo tem tanta visibilidade que se torna invisível, impossível de interpretar ou de rastrear o significado mais profundo. A excessiva visibilidade nos tornaria cegos.
Um autor espanhol bastante interessante,
Daniel Innerarity, escreveu um ensaio premiado intitulado “La Sociedad
Invisible” (publicado em 2004), em que mostra que a sociedade contemporânea se
tornou invisível por excesso de visibilidade. Sua transparência a tornou opaca,
sobretudo à interpretação de seu sentido profundo. Diz ele:
“Nossa cultura não dá a
impressão de caracterizar-se pela intransparência, mas pela exaltação da imagem
visual. Nenhuma geração esteve tão obcecada pelo visual como a nossa. Nos
rendemos ante o visível e quase não podemos nos livrar do poder das imagens,
tanto das fascinantes quanto das terríveis”.
A televisão ajudou a sociedade a se
constituir em torno da imagem, acostumada a crer só no que vê e a crer em tudo
o que vê. Depois da TV, vieram os PCs, a internet, os celulares, as câmeras de
segurança, os drones, as redes sociais – todos esses meios “atestam” o que é
real e o que não é.
Um outro autor, o famoso Régis Debray,
sustentou já em 1994, em seu “Vida e Morte da Imagem”, que a era do visual
parece supor a “desaparição do invisível”.
Atribuímos --dizem esses pensadores-- à
visibilidade um valor central, ao qual se associam outros, como a
autenticidade, a sinceridade, a imediatez ou a transparência. É preciso
desconfiar dessa certeza em torno da visibilidade. A hipótese de Innerarity é que
essa visibilidade ou transparência da “sociedade da imagem” tornou-se, já faz
tempo, fictícia ou problemática.
Não é que o segredo desapareceu
completamente na sociedade atual, mas ele está em outra parte, escondido pela
excessiva visibilidade dos meios de comunicação e de exposição. Quando se pensa
que tudo está exposto e visível, perde-se a noção de que, ao mesmo tempo, os
poderes que determinam de verdade a nossa vida são cada vez mais invisíveis,
mais difíceis de identificar.
É possível ver claramente algumas partes,
mas se perde o todo. Os sinais são mais difíceis de interpretar e, como diz Innerarity,
por trás das aparências “se abre uma fossa indecifrável onde se ocultam os
verdadeiros significados das coisas que nos passam”.
Numa sociedade de massas tão complexa como a
atual no Brasil -- e em muitas partes do mundo-- as evidências são escassas
sobre quem comanda de verdade, quem decide os detalhes e o destino das decisões
em geral.
É
preciso suspeitar sempre das falsas evidências oferecidas pela sociedade que
alguém já chamou de “transparente” (Gianni Vattimo). Tudo o que se pode saber
sobre esse tecido viscoso recoberto de camadas de conotações ideológicas deve
ser buscado, dizem nossos autores, sob o estatuto da suspeição ou de
suposições. Sob essas camadas de imediatez equívoca pode estar a trama de uma
realidade construída e veiculada pelos meios de comunicação.
O sociólogo alemão Theodor Adorno dizia que
“quanto mais completo seja o mundo da aparência, tanto mais impenetrável a
aparência como ideologia”.
Um exemplo claro que se oferece é a televisão:
dá a impressão de “proximidade” e até de “intimidade”, as coisas aparecem como
verossímeis e reveladoras, mas tem “uma opacidade que funciona como imediatez
social”. Um exemplo é a Rede Globo no nosso País, que manipula até mesmo
resultados eleitorais sem cometer nenhuma fraude ostensiva. Apenas mostra a “sua
realidade”, que passa a ser a de “todos”
Talvez estejamos vivendo hoje numa
sociedade “louca”, no mesmo estilo da loucura da esposa daquele homem que
procurou Piera Aulagnier, expondo tudo sem filtro, mas certamente ocultando,
como toda loucura, o sentido subterrâneo de seus atos.
A novidade das novas formas do segredo pode
estar na sua hipervisibilidade. Existe uma trama estrutural: não há mais segredo,
porque ele está ainda mais oculto.