domingo, 28 de julho de 2013

A CLASSE MÉDIA QUER IR PARA MIAMI

A classe média brasileira, a tradicional, está triste e amargurada. Sim, classes sociais têm sentimentos. E a chamada “classe B” cultiva mais emoções do que as outras. É aquela que lê romance, vê novelas às escondidas e sonha com seus filhos se tornarem educados e ricos. Além de amargurada, essa classe ambígua e contraditória está revoltada e põe a culpa na era Lula- Dilma. Uma parte dela -- seus filhos diletos e até alguns senhores e senhoras--, foi às ruas nos idos de junho, protestar e gritar contra a corrupção, os políticos e os minúsculos partidos de esquerda que iniciaram e/ou participaram das manifestações iniciais contra as tarifas no transporte. É preciso ser gentil com a classe B, pois ela tem dois lados que não se entendem muito bem. Uma face é meio sinistra, pede a pena de morte, quer que crianças cooptadas pelo crime vão para a cadeia, apoia ditaduras, marcha com Deus contra a liberdade, joga todo o peso da corrupção na esfera pública e ignora sua própria corrupção na vida privada, em que repassa pontos da carteira de motorista para parentes e serviçais, suborna funcionários públicos quando pode, etc. A outra face é modernizadora e moderna, gosta dos progressos da ciência, quer o País desenvolvido, acreditou que decolaríamos nos últimos dez anos para o Primeiro Mundo (ainda que preferisse que os janotas do PSDB dirigissem o processo), quer que seus filhos estudem nos EUA e falem inglês, propõe a democracia como forma de governo e se escandaliza um pouco com a tortura, a brutalidade e defende a liberação do aborto e, meio relutante, aceita a igualdade proposta pelo chamado casamento gay ( “Melhor casar do que abrasar”, dizia Paulo, o apóstolo mais careta de Cristo). É preciso ser muito gentil com a classe B, pois ela assistiu nos últimos dez anos à entrada dos pobres em cena e no mercado.Ficou chocada. E, pior, eles entraram com o apelido de “nova classe média” ou com o nome “técnico” e falso de classes médias “C e D”. Em algumas pesquisas “científicas” surgiu até uma classe média “E”, seja lá o que isso significa. Não se criam classes sociais pelo nível de renda. Isso foi uma interpretação abusiva de empresas de pesquisa e agências de publicidade. Uma classe social é definida, como o é a classe média tradicional, pela sua posição em relação aos meios de produção da sociedade, assim como pelo seu papel nas relações econômicas produtivas. O equívoco sociológico foi ignorado pelo governo Lula pelo seu potencial de publicidade: os pobres diminuíram e surgiu uma “nova classe média”! Vai que cola! E colou! Nada muito grave, já que os novos 40 milhões de pessoas com renda básica inflaram um mercado interno que animou a economia ao ponto de aumentar em quase 92 % a renda dos mais pobres e em mais de 16% a riqueza das classes dominantes, os mais ricos, diminuindo, de fato a desigualdade no País. E ao ponto de o governo Lula ter tido o maior índice de aprovação de todos os tempos, além de ter enfrentado a “marola” de 2008 com alguma real facilidade. Houve um breve período de círculo virtuoso na economia: o mercado interno inchado sustentou os solavancos do externo e não só os pobres evoluíram, mas também o emprego de carteira assinada, na esteira do crescimento geral. A classe média tradicional ou “classe B” é altamente insegura e contraditória justamente pela sua posição no esquema produtivo da sociedade. Ela está espremida entre a chamada classe dominante, a classe “A”-- a detentora dos meios de produção, das fábricas, do agronegócio, dos bancos, das ações majoritárias das grandes corporações, dos lucros e da maior renda – e o proletariado ou verdadeira classe “C” – a classe trabalhadora que pega no pesado e que produz, em última instância, as riquezas nacionais e internacionais. Nossa classe média teme algumas coisas, mas acima de tudo tem medo da proletarização. Isso significaria jogá-la na vala comum dos trabalhadores braçais e do “Zé povinho”. Ela aspira a um consumo de classe A e a posses e privilégios (carrões, lanchas, viagens) acima de sua própria condição. A publicidade se vale disso para vender-lhe sonhos. Quando há um mínimo movimento na sociedade ou na economia que ameace seus pequenos privilégios, ela começa a se fechar em valores tradicionais que a tornam de face mais sinistra. Ela teve que suportar nos últimos anos “aquela gente” meio “diferente” nos aeroportos, de sandália de dedo tomando avião, empregadas domésticas pegando voo para visitar a família no Nordeste, etc. E ainda assiste ao cinismo da classe política que ajudou a eleger, ganhando salários altos que ela teme perder a qualquer momento e desviando dinheiro público para fins privados, isto é, roubando. O desamparo da “classe B” e seu desespero vão às alturas. Muitos membros da classe média, os mais modernos, aceitaram Dilma no lugar de Lula, com a condição de que ela fosse uma técnica, uma gestora de boa escolaridade,. lutadora contra a corrupção. A própria Dilma compreendeu isso e apaziguou os eleitores de Serra e Alckmin, após sua vitória, prometendo não confrontar a imprensa de oposição, manter o crescimento econômico, e tirando ministros do governo anterior suspeitos de “malfeitos”.Por um período, Dilma conquistou os corações dessa fatia média da população. Muitos desses membros da classe média, inclusive, não hesitam em lastimar que o próprio PT tenha deixado de ser um partido modernizador para aderir aos métodos dos “outros partidos”. É um paradoxo, pois eles sempre evitaram votar no PT e elegeram gente dos “outros partidos”. Foi a grande classe média tradicional que elegeu Collor contra Lula em 1989. E, outro paradoxo, Collor fez exatamente o que acusava ser a intenção de Lula: filou a poupança da classe média como sua primeira medida. Traída, não perdoou Collor: seus filhos pintaram-se de verde e amarelo no rosto e foram às ruas. A classe média quer dinheiro e poder, mas também quer esperança e modernidade. Despreza o atraso dos caciques políticos do tipo Sarney e mesmo do falecido ACM, de Collor e do Renan Calheiros (cria de Collor). Esse é o lado positivo da classe média. Agora está ressentida e sente-se traída por Dilma, que julgava “diferente de Lula” e põe nela a culpa que atribuía a toda a classe política. É a lógica meio estranha do preconceito. Reconquistar a confiança da classe média vai depender do manejo da atual crise econômica, que bateu nos BRICs, não tenham dúvidas. Essa classe luta desesperadamente para ter segurança. Se o PT cometer o erro de apenas hostilizá-la, contrapondo-lhe o apoio dos mais pobres, estará deixando-a mais insegura. Aliás, o PT já virou em parte, há algum tempo, um partido de classe média, sobretudo de funcionários públicos. Deve saber que a “classe B” precisa de carinho, de muito carinho. Além de poder ir a Miami, é claro. *Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP e jornalista.

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