quinta-feira, 18 de julho de 2013
QUAL O SEU MODELO DE PSICANALISAR?
Já se tornou lugar comum e, o que é pior, moda entre os psicanalistas de formação inglesa (falo das sociedades brasileiras de linhagem "britânica") repetirem que, como sugeriu o francês André Green, está na hora de repensar o "modelo mãe-bebê" e talvez substituí-lo por um "novo" modelo -- o "modelo sonho".
Como assim, "substituir" ou mesmo adotar um "novo" modelo? O modelo-sonho já existe há muito tempo, diz respeito à principal obra dos inícios da psicanálise, "A interpretação dos sonhos" e foi mantido tanto na Primeira quanto na Segunda tópicas. Nem mesmo Green, autor da ideia, sugere que se trata de um "novo" modelo interpretativo. O que ele diz é que o modelo mãe-bebê, de origem kleiniana, está um tanto saturado, já deu o que tinha para dar. O que ele propõe é um retorno a Freud!
Os nossos ingleses precipitam-se em dois sentidos : 1. ao aceitar sem mais, sem arrazoado cuidadoso, o diagnóstico de Green, segundo o qual o modelo mãe-bebê saturou; na verdade, o que ele fazia com notável senso de ironia e humor,era a crítica dos modelos kleinianos, que teriam levado a uma espiritualização e a uma dessexualização da psicanálise (malgrado a intenção e a obra literal da própria Klein); 2. parecem acreditar que o modelo sonho foi uma descoberta bioniana e não um retorno do próprio Bion a Freud. Este é o equívoco maior. No afã de atestar a originalidade absoluta e a legitimidade da obra bioniana, retraduzem a obra freudiana (para muitos deles "superada"), inclusive atribuindo prioridade autoral a Bion de vários conceitos e pensamentos já contidos em Freud com todas as letras! É o caso do "modelo-sonho".
Digam-me uma única obra técnica ou caso clínico de Freud em que ele não utilize , primária ou subsidiariamente, o modelo-sonho, inclusive no que diz respeito à associação livre, à escuta no enquadre, à atenção flutuante e à atribuição de sentido às defesas e aos mecanismos evasivos análogos aos mecanismos metafóricos e metonímicos do sonho. Isto, sem falar nas obras teóricas e até na sua Metapsicologia!
Com relação à obra de Green, está acontecendo algo semelhante ao que Alice, a do País das Maravilhas, chamava de palavras-valise, nas quais cabem vários sentidos, às vezes, contraditórios. A obra de Green tornou-se uma espécie de obra-valise. Até por ser muito rica e por ele ter assumido explicitamente (sobretudo na introdução ao seu "La Pensée Clinique")a adesão a uma epistemologia complexa, cada um tira o que quiser dessa produção multifacetada. Tem Green para todos os gostos: um winnicottiano, um bioniano, um ex-lacaniano,um Green eclético, outro hegeliano(do trabalho do negativo) e,obviamente, um freudiano -- o que ele sempre dizia que era.
Lembro-me de uma palestra de Green, pronunciada na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, lá pelo final dos anos 80 (ou será início dos 90?). Ele abriu da seguinte maneira: "O que há de novo em Psicanálise é Freud!"
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