quarta-feira, 3 de julho de 2013

UMA OUTRA ESQUERDA II

A nova política de esquerda pressupõe algo que começou na Grécia antiga, teve picos de manifestação em Roma e no mundo pós-romano, emergiu nas revoluções inglesa e francesa, assim como na Declaração de Direitos da Revolução Norte-americana, de 1776, que até antecedeu a mais célebre, a francesa, em 1789,e as duas revoluções russas, a de 1905 e a de 1917. Ou seja, essa nova política pressupõe a busca de autonomia humana, que consiste em se relacionar com liberdade e justiça. Esta política tem ,portanto, uma tradição revolucionária e envolve um trabalho da imaginação. Reconhecer um primado da imaginação significa atribuir um papel menos central, ou mais relativo, à razão -- ao contrário do que fazia Marx e ainda repetem seus herdeiros. Marx era um racionalista estrito, um autor que buscava as Leis da História. A imaginação, por outro lado, é a "louca da casa", como dizia a mística e poeta Sta. Teresa. É a fonte disruptiva das determinações postas e a possibilidade de criar novas determinações ou configurações do ser. É o devir em marcha, sem obedecer às Quatro Leis da Dialética. Sendo um racionalista estrito, Marx buscou representar uma imagem da sociedade à luz de uma lógica excludente, centrando a base estrutural da vida na economia. A História seria a realização das leis econômicas ou sua "historização", seja na forma da política, das artes e da cultura, que refletiria na superestrutura, em última instância, essa legislação de base. Nesse ponto, há uma confluência entre Marx e os liberais: tudo se refere à economia e à propriedade. O reino da liberdade, para Marx, seria livrar-se da necessidade econômica -- pelo comunismo. Esse reino, para liberais e neoliberais, consiste também em livrar-se da necessidade econômica -- tornando-se proprietário e patrão. Uma solução inclui o compartilhamento com o outro. Já o liberalismo é menos generoso -- o negócio é levar vantagem, certo?. É a solução egoísta do individualismo possessivo. Mas, no fundo, podemos nos perguntar se o "socialismo real" não escamoteava e escondia o egoísmo, recobrindo-o de ideologia, para justificar a apropriação do excedente do trabalho humano, via Estado, em benefício da camarilha do Partido. Curiosamente, na Rússia pós-soviética, francamente capitalista, mais de 80% dos novos milionários são de ex-integrantes dessa camarilha e de mafiosos saídos do estrato de lumpen do funcionalismo público. A riqueza sequer mudou de mãos, só o nome do regime. A própria gestão política continuou sob a direção de ex-membros da polícia política, cujo signo mais notório era KGB. O socialismo, para Marx, deveria decorrer logicamente do movimento da Razão inscrito no novelo do Capital, como diz sua obra mais notável de crítica da economia política("O Capital" é hoje muito lido também por neoliberais).Seria pelo desenvolvimento das forças produtivas (e não pelo seu "esgotamento", como acreditam os que não leram ou deformam a leitura), que o capitalismo explodiria e daria origem a uma forma superior de organização social, a sociedade sem classes definidas pela produção e exploração do excedente do trabalho. Não por acaso, marxistas "evolucionários" como Eduard Bernstein, acentuaram o que já havia na obra marxiana: o socialismo viria "naturalmente" pelo desenvolvimento pleno do capitalismo, rompendo as amarras estruturais e superestruturais existentes. Não por acaso, Marx dedicou sua obra a Charles Darwin, esse notável naturalista que inspirou tantos outros autores, inclusive Freud. O mais curioso é que mesmo os marxistas que fugiram da linhagem "reformista" bernsteiniana e da II Internacional socialdemocrata mantiveram a crença no determinismo racionalista de Marx. Apenas o "corrigiram" quanto aos fatores políticos e mesmo econômicos que interfeririam na legislação da História. Lênin e, depois, Stálin, com diferentes níveis de grandeza e talento, cuidaram de adaptar o marxismo à condições russas, orientais e subdesenvolvidas do capitalismo, tornando-se os principais "revisionistas", mas acusando disso, é claro, os rivais Bernstein e Kautsky, tidos por "renegados" e "traidores" -- aí, já estávamos em plena construção do totalitarismo. Fato é que lhes escapava o elemento que não se encaixava na Razão totalizante. Não só isso, fugia-lhes também a própria riqueza da subjetividade humana. Nada existiria de randômico na História? Não há acaso, só necessidade? Os movimentos irruptivos e circunstanciais não importam? A imaginação coletiva, na forma de religiosidade ou outra construção subjetiva, não têm importância nenhuma na maneira de constituir a cena histórica? (Continuaremos com este questionamento e reflexão num próximo post com o mesmo título.)

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