domingo, 28 de julho de 2013

HANNAH ARENDT, UM FILME SURPREENDENTE.

O filme "Hannah Arendt", dirigido pela alemã Margarete Von Trotta, com a talentosa veterana Barbara Sukowa no papel principal, é uma preciosidade. Não tanto como obra cinematográfica, bastante correta, nada excepcional, mas surpreendente. Um excelente relato histórico e um grande estímulo ao pensar. É instigante ao dar vida a um momento decisivo de Hannah Arendt na aventura do pensamento e da história contemporânea. O momento dramático em que ela formula sua reflexão sobre o "mal radical"(Kant)a partir de um evento histórico inédito: o julgamento do nazista Eichmann, o chefete de Auchwitz, realizado em Jerusalém após seu sequestro pelo Mossad em Buenos Aires, na virada dos anos 50 e no início dos anos 60. O filme revela o impacto negativo nos meios liberais norte-americanos e judaicos, inclusive em Israel, de uma série de artigos de Arendt, professora de teoria política ,e judia, na revista New Yorker sobre o julgamento de Eichmann. Hoje, depois que sua teoria da "banalidade do mal" é bastante conhecida, o tamanho do impacto e do enorme mal-entendido a respeito parecem exagerados. Mas o filme nos mostra minuciosamente como a polêmica fazia sentido naquele contexto histórico, quando o mundo ainda recolhia informações sobre o tamanho do Holocausto e se indignava com as revelações da extensão do genocídio totalitário. Nesse clima, fica ainda mais notável a coragem da filósofa. A questão central reside na ambiguidade de toda ação política, que costuma ser eliminada pelas ideologias e pela simplificação do tipo amigos versus inimigos -- segundo o conservador Carl Schmidt, essa dicotomia simplificadora faz parte da própria natureza do campo da ação política. Arendt é acusada de defender Eichmann e até de denegrir líderes judeus, por sua análise "fria" tanto do julgamento quanto de alguns fatos do período agudo de execução de seis milhões de judeus na Europa pelo nazismo. A filósofa cometeu o crime de , primeiro, tentar "compreender" (Verstand) os fenômenos, descrevendo-os em sua facticidade bruta e penetrando no seu sentido. Fiel ao pensar filosófico que aprendeu com Heidegger, ela cometeu o segundo crime: percebeu que a natureza do totalitarismo consiste em destruir o Sentido das palavras e das experiências, banalizando-o ao extremo para que todo o mal seja possível. Até mesmo um filósofo do calibre de Isahiah Berlin não compreendeu isso e criticou Arendt por ter "caído" no conto de fadas de Eichmann, que se teria apresentado medíocre, comum e meio idiota no julgamento a fim de se safar de uma condenação. Berlin insistiu: Eichmann foi um entusiasmado revolucionário nazista desde que o movimento se instalou, acreditava na ideologia de Hitler e queria levá-la à ação. Não seria , pois, um mero burocrata que alegava cumprir ordens. Ao perceber além dessas aparências óbvias,Arendt notou a natureza da alegação do medíocre burocrata Eichmann de que, no seu departamento, cumpria ordens, obedecia à hierarquia e ao seu "führer", mas ela percebeu sua adesão estúpida a essa crença. Ele considerava que atendia a uma exigência administrativa ao organizar as tarefas do assassinato de milhões de pessoas no "seu departamento". Arendt desvendou o mistério de uma ordem totalitária: destruir o pensamento, impedir de pensar, rotinizar e banalizar as ações, afim de que tudo seja "non sense". Ou seja, retirar o sentido emocional e mesmo racional da vida humana, banalizar as ações de destruição, destituindo-as de significado. E isso valia tanto para os carrascos quanto para as vítimas. Ao lembrar da condição das mulheres no campo de detenção na França, onde esteve por um período não muito longo, ela descreve a progressiva desistência delas de se cuidarem, de usarem a energia para pensar ou lutar. Depois, aplicou essa percepção à condição dos líderes judaicos nos guetos e nos campos, alguns deles "colaboradores" dos nazistas por não poderem pensar e não terem meios de resistir à rotinização da morte. A ideologia, inclusive a sionista, e a paixão política cegaram a compreensão de muitos contemporâneos de Arendt sobre sua ideia, com raras exceções, como sua cética amiga Mary McCarthy, escritora de talento e conhecedora da genialidade de Hannah. Até mesmo um filósofo como Hans Jonas, o epígono da Escola de Frankfurt no campo da ética, não foi capaz que compreender que não se tratava de uma questão de "oportunidade estratégica" para atacar o nazismo e defender as vítimas -- o que Arendt fez com brilho e nenhuma evasiva, sobretudo por dirigir seu olhar para a essência do método totalitário: a destruição do Sentido. Aliás, a ação de coação contra Arendt, a pressão ideológica, emocional e os "actings" dramáticos para que cedesse às "evidências" e conveniências politicas, teve um quê de totalitarismo, forçando-a a não pensar. A própria Arendt comenta que, no afã de calá-la, seus críticos nem perceberam o paradoxo final do seu trabalho: o "mal radical" não é profundo, mas banal. O discurso dela aos alunos curiosos e sedentos de explicações e aos professores que queriam demiti-la da New School, de N. York, não deixa a menor dúvida de que ela cumpriu a trágica tarefa socrática do filósofo, a do compromisso com o desvelamento da verdade.

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