Vá ver "Jasmine Blue", o último Woody Allen. Um dos seus melhores filmes, cheio do ceticismo radical que o acompanha desde sempre. A arte pode ser utópica ou pessimista mas, quando tem valor estético, deleita-nos com a questão universal do sentido da existência. Nos dois casos.
Allen é assim: pessimista.
Parece ter lido Emil Cioran, o filósofo existencial mais pessimista que já houve. No entanto, sempre dá uma chance ao acaso. Alguns dos seus finais abrem para a salvação pelo amor e a inocência; o herói, como em "Meia Noite em Paris", encontra uma jovem pura, bela e simples, sem a hipocrisia do mundo social adulto e utilitarista. O acaso, desta vez em "Jasmine", não salva. Talvez a visão-de-mundo de Allen apareça neste filme mais o que em todos os outros.
Em "Match Point", lembram-se?, a queda de um anel de um certo lado, como se fosse a moeda da sorte, determina o destino da personagem central.
Aqui, um encontro fortuito na rua abre o abismo na vida de Jasmine, pois seu rumo se revela inevitável. Sua perplexidade diante da dor mental em face da verdade a leva à loucura. O acaso foi destrutivo ao extremo, desta vez.
Sempre fica a pergunta: é possível enlouquecer por acaso? A resposta pode ser "sim" e "não". Por um lado, ninguém enlouquece por azar(hasard).Deve haver uma estrutura histórica anterior que leva à psicose. A vida, as decepções cumulativas, os fantasmas, os traumas desencadeiam a loucura. O psicótico, diz uma frase antiga, é aquele que perdeu tudo, exceto a razão. Mas, quem sabe , alguém possa ser salvo da loucura por acaso. Um encontro, um amor, um outro ser humano significativo, uma vocação descoberta, um gesto espontâneo, uma revelação religiosa, uma verdade emergindo...Um detalhe da vida, talvez.
Deleite-se com esse Woody Allen. Para começar, com as atrizes inglesas do filme. Todos saem do cinema dizendo que Cate Blanchet é deslumbrante m sua beleza, elegância e talento. A comediante que faz sua irmã, Sally Hawkings, não fica muito atrás, apesar de ser apenas coadjuvante.
O clima de ansiolítico e de Prozac é mantido do começo ao fim, graças ao talento de ambas. Mas a mão do extraordinário diretor, uma espécie de Kafka chapliniano, pode ser sentida em todas as cenas.
Sei que existe quem duvide da grandeza de Allen. Um crítico norte-americano disse certa vez que ele tem ideias brilhantes nem sempre bem executadas. Mas agora, na sua maturidade, é impossível deixar de incluí-lo na galeria onde estão Bergman, Kurosawa, Antonioni, Fellini, Chaplin e alguns poucos outros.
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
terça-feira, 12 de novembro de 2013
domingo, 11 de agosto de 2013
VOCÊ AINDA É PÓS-MODERNO(A)?
VOCÊ AINDA É PÓS-MODERNO(A)?
Reinaldo Lobo*
Você se sente vazio(a) e levemente irresponsável?
Considera o casamento um pedaço de papel existente até o século XX e acha mais importante um laço afetivo fugaz entre os envolvidos?
Lê livros de autoajuda? Frequenta workshops?
Acredita que a História da humanidade acabou em 1991, com a queda da União Soviética?
Pensa que a sociedade é menos importante do que os indivíduos e suas relações?
É atraído por grifes e marcas de prestígio? Consome muito e um pouco de tudo?
Vê todas as formas de arte como equivalentes? A arte atual está ultrapassada de um modo geral, não acredita mais em vanguardas e pensa que a criação original acabou?
Acha que a ciência, a literatura, a filosofia, são apenas discursos muito relativos e que todos contém verdades, dependendo do ponto-de-vista de cada um? Não crê na razão que tudo explicaria, pois cada caso é único e cada um inventa sua verdade?
Não gosta das igrejas instituídas e tem uma ligação própria com a ideia de Deus e do universo?
As ideologias não existem mais e a politica é só uma atividade destinada a defender interesses particulares?
Experimenta as emoções pessoais como significativas, fortes, mas devem ser vividas apenas pelo tempo necessário, até que se esgotem?
Adora música eletrônica? Participa de flashmobs e assiste a Lady Gaga?
Pensa que a vida é um sopro passageiro e que deve ser vivida no aqui e agora? O que atrapalha os seres humanos são a memória do passado e o desejo de progresso?
Se você respondeu “sim” a todas ou à maioria das perguntas, então você ainda é um pós-moderno(a)!
Pois saiba em primeira mão que você está meio antiquado(a). O pós-modernismo parece estar agonizando e algumas más línguas dizem que já morreu e foi enterrado. Entre essas más línguas está até o seu principal ideólogo, o escritor tido como filósofo, Gilles Lipovetsky, autor da “Era do Vazio—Ensaios sobre o individualismo contemporâneo”(1983).
O livro, um sucesso instantâneo de público, faz agora 30 anos e marcou a formalização teórica de uma visão de mundo individualista e narcisista. Descreveu uma era supostamente alegre e sorridente da “leveza”, do “cool”, do tênis e dos moletons, da busca de uma identidade singular, do elogio das diferenças, da desregulamentação, do sarcasmo e da ironia, do tédio, da apatia diante da TV e do consumo de gadgets, desrespeitosa das instituições, das hierarquias e dos laços sociais duradouros. E consagrou o termo “pós-modernidade”, introduzido em julho de 1972 por um grupo de arquitetos norte-americanos para descrever a falta absoluta de estilo. O francês Lipovetsky fez carreira com mais duas joias de sua trilogia: “A Era do Efêmero” (1987) e “O Crepúsculo do Dever” (1992). Todos falam da substituição da modernidade racional, séria, vanguardista e progressista pela pós-modernidade supérflua, relativista e mais imediatista.
Em vários seminários e conferências mais recentes, coincidentemente logo depois do 11 de setembro de 2001, Lipovetsky começou a desautorizar mais enfaticamente o uso da expressão pós-modernidade e também diminuiu os elogios à sua revolução do vazio. Agora, talvez por perceber que o mundo não era tão simples e homogêneo como pintou, tudo indica que está enterrando de vez o termo.
Discutindo o assunto em setembro de 1989, um sociólogo sério, o latino-americano Cláudio Veliz, dizia: “o espírito do nosso tempo... é muito rápido ou muito letárgico; ele muda muito ou não o suficiente; produz confusão e equívoco”. Participando da mesma conferência em Boston com Veliz, nessa ocasião o filósofo greco-francês Cornelius Castoriadis comentou que esses traços de ligeireza e lentidão da época não eram acidentais. Do mesmo modo que o sucesso do lançamento dos rótulos “pós-moderno” e “pós-industrial”: eles forneceriam “uma perfeita caracterização patética da incapacidade da época de se pensar como alguma coisa de positivo, ou simplesmente como alguma coisa”. Assim, a época era levada a se definir apenas como “pós-qualquer–coisa”. Quer dizer, ela se afirmava pelo negativo e se autoglorificava “pela afirmação bizarra de que o seu sentido era o não-sentido, e seu estilo era a falta de todo estilo”. Um arquiteto festejado de Nova York proclamava, em abril de 1986: o “pós-modernismo nos livrou da tirania do estilo”.
Na verdade, o pós-modernismo é uma ideologia que expressa o período emergente do capitalismo pós-industrial – e, portanto, o termo “pós-industrial” faz algum sentido, como apontaram esses autores mais sérios. Há algo na realidade que corresponde a essa palavra.
Na vida contemporânea, as mudanças da economia ocorreram em consequência de três fatos importantes: o primeiro foi o fim do modelo industrial das grandes fábricas e dos sujos fornos com chaminés soltando fumaça, sendo substituídos pelas tecnologias avançadas, a robotização e a cibernética; o segundo, o aparecimento de uma vasta sociedade de serviços e de empresas terceirizadas, além da preocupação com a sustentabilidade; e, por último, a globalização do capital nos anos 70 e 80, que tornou as empresas de negócios, finanças e comércio voltadas para a internacionalização do capital, a queda de barreiras e fronteiras. Surgiu o famoso “cassino” de investimentos mundiais e intercâmbio. O capitalismo volátil, aventureiro e de movimentos rápidos.
Esse novo modelo foi sustentado por uma ideologia de base, o neoliberalismo, também chamado de “pensamento único” após o “fim da história” (queda da União Soviética). O “pensamento único” dominou 160 países do norte ao sul, inclusive o Brasil. Essa crença foi adotada e implementada pelos governos Reagan, nos EUA, e Meg Thatcher, na Inglaterra, sobretudo nos anos 80 e, depois, respectivamente por Bill Clinton e Tony Blair.
Foi quando se tornou célebre a palavra de ordem da senhora Thatcher: “A sociedade não existe. Só conheço indivíduos e famílias!” Foi também quando o Chile do general Pinochet tornou-se exemplo de lição econômica neoliberal bem feita. Só faltaram dizer que Pinochet era leve e pós-moderno. Nesse período, a principal meta ideológica da “racionalidade econômica” passou a ser a utopia da viagem conduzida pela mão invisível do mercado, levando todos ao “crescimento ilimitado”.
No interior das culturas e das sociedades, o impacto da “revolução neoliberal” gerou a transformação da visão-do-mundo, gerando o paradoxo de um “individualismo em massa”. O pós-modernismo foi o nome que deram a esse caldo cultural, atingindo desde os costumes até as galerias de arte. Foi gerada uma espécie de mercado mundial de tudo: coisas, obras de arte, ideias, estilo de vida, costumes, etc. Essa padronização em nome do “indivíduo” e a banalização da vida foram chamadas por Castoriadis de “maré de insignificância”, onde o valor ético predominante foi reduzido ao valor de mercado e a principal meta na vida das pessoas passou a ser o “consumo ilimitado”. O pós-modernismo foi o complemento cultural do neoliberalismo. Hoje, está perdendo a força.
O choque de 11 de setembro de 2001, provocado pela reação violenta e irracional das culturas mais tradicionais ao estilo de vida pós-moderno, deu início a uma virada no mundo “cool” e interdependente dos sorridentes Bill Clinton e Blair. Veio a sinistra fase do Estado de Exceção, a era Bush da guerra, da tortura, da paranoia e das escutas telefônicas. E com ela veio a bancarrota do modelo neoliberal e as sucessivas ondas de crise econômica nos mais de 160 países que “sonharam” com a anarquia de mercado. As rebeliões na Europa, na periferia e até nos EUA ainda são recentes e algumas nem terminaram seu caminho. O que virá? Não se sabe. A era da incerteza se tornou mais incerta. Mas há sinais de que o Estado de Exceção prossegue.
Se você ainda é pós-moderno(a), trate de arranjar “uma ideologia para viver” (Cazuza). As velhas formas da democracia estão sendo abaladas. O totalitarismo não faz mais o mesmo sucesso do século XX. O capitalismo chacoalha, mas não cái. Flexível, tenta mudar para permanecer. Admira hoje o “modelo chinês”. Cuidado! Quanto ao nosso Lipovetsky, que cantava as virtudes da futilidade, das compras de luxo, dos amores ligeiros, talvez tenha que arranjar outra profissão ou um novo assunto.
*Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP e jornalista.
segunda-feira, 29 de julho de 2013
ARTE E IMAGINAÇÃO
"Não será o temor da loucura que nos forçará a hastear a meio pau a bandeira da imaginação". André Breton, um dos principais autores dos manifestos surrealistas.
domingo, 28 de julho de 2013
A CLASSE MÉDIA QUER IR PARA MIAMI
A classe média brasileira, a tradicional, está triste e amargurada. Sim, classes sociais têm sentimentos. E a chamada “classe B” cultiva mais emoções do que as outras. É aquela que lê romance, vê novelas às escondidas e sonha com seus filhos se tornarem educados e ricos. Além de amargurada, essa classe ambígua e contraditória está revoltada e põe a culpa na era Lula- Dilma.
Uma parte dela -- seus filhos diletos e até alguns senhores e senhoras--, foi às ruas nos idos de junho, protestar e gritar contra a corrupção, os políticos e os minúsculos partidos de esquerda que iniciaram e/ou participaram das manifestações iniciais contra as tarifas no transporte.
É preciso ser gentil com a classe B, pois ela tem dois lados que não se entendem muito bem. Uma face é meio sinistra, pede a pena de morte, quer que crianças cooptadas pelo crime vão para a cadeia, apoia ditaduras, marcha com Deus contra a liberdade, joga todo o peso da corrupção na esfera pública e ignora sua própria corrupção na vida privada, em que repassa pontos da carteira de motorista para parentes e serviçais, suborna funcionários públicos quando pode, etc. A outra face é modernizadora e moderna, gosta dos progressos da ciência, quer o País desenvolvido, acreditou que decolaríamos nos últimos dez anos para o Primeiro Mundo (ainda que preferisse que os janotas do PSDB dirigissem o processo), quer que seus filhos estudem nos EUA e falem inglês, propõe a democracia como forma de governo e se escandaliza um pouco com a tortura, a brutalidade e defende a liberação do aborto e, meio relutante, aceita a igualdade proposta pelo chamado casamento gay ( “Melhor casar do que abrasar”, dizia Paulo, o apóstolo mais careta de Cristo).
É preciso ser muito gentil com a classe B, pois ela assistiu nos últimos dez anos à entrada dos pobres em cena e no mercado.Ficou chocada. E, pior, eles entraram com o apelido de “nova classe média” ou com o nome “técnico” e falso de classes médias “C e D”. Em algumas pesquisas “científicas” surgiu até uma classe média “E”, seja lá o que isso significa.
Não se criam classes sociais pelo nível de renda. Isso foi uma interpretação abusiva de empresas de pesquisa e agências de publicidade. Uma classe social é definida, como o é a classe média tradicional, pela sua posição em relação aos meios de produção da sociedade, assim como pelo seu papel nas relações econômicas produtivas. O equívoco sociológico foi
ignorado pelo governo Lula pelo seu potencial de publicidade: os pobres diminuíram e surgiu uma “nova classe média”! Vai que cola! E colou!
Nada muito grave, já que os novos 40 milhões de pessoas com renda básica inflaram um mercado interno que animou a economia ao ponto de aumentar em quase 92 % a renda dos mais pobres e em mais de 16% a riqueza das classes dominantes, os mais ricos, diminuindo, de fato a desigualdade no País. E ao ponto de o governo Lula ter tido o maior índice de aprovação de todos os tempos, além de ter enfrentado a “marola” de 2008 com alguma real facilidade. Houve um breve período de círculo virtuoso na economia: o mercado interno inchado sustentou os solavancos do externo e não só os pobres evoluíram, mas também o emprego de carteira assinada, na esteira do crescimento geral.
A classe média tradicional ou “classe B” é altamente insegura e contraditória justamente pela sua posição no esquema produtivo da sociedade. Ela está espremida entre a chamada classe dominante, a classe “A”-- a detentora dos meios de produção, das fábricas, do agronegócio, dos bancos, das ações majoritárias das grandes corporações, dos lucros e da maior renda – e o proletariado ou verdadeira classe “C” – a classe trabalhadora que pega no pesado e que produz, em última instância, as riquezas nacionais e internacionais.
Nossa classe média teme algumas coisas, mas acima de tudo tem medo da proletarização. Isso significaria jogá-la na vala comum dos trabalhadores braçais e do “Zé povinho”. Ela aspira a um consumo de classe A e a posses e privilégios (carrões, lanchas, viagens) acima de sua própria condição. A publicidade se vale disso para vender-lhe sonhos. Quando há um mínimo movimento na sociedade ou na economia que ameace seus pequenos privilégios, ela começa a se fechar em valores tradicionais que a tornam de face mais sinistra. Ela teve que suportar nos últimos anos “aquela gente” meio “diferente” nos aeroportos, de sandália de dedo tomando avião, empregadas domésticas pegando voo para visitar a família no Nordeste, etc. E ainda assiste ao cinismo da classe política que ajudou a eleger, ganhando salários altos que ela teme perder a qualquer momento e desviando dinheiro público para fins privados, isto é, roubando. O desamparo da “classe B” e seu desespero vão às alturas.
Muitos membros da classe média, os mais modernos, aceitaram Dilma no lugar de Lula, com a condição de que ela fosse uma técnica, uma gestora de boa escolaridade,. lutadora contra a corrupção. A própria Dilma compreendeu isso e apaziguou os eleitores de Serra e Alckmin, após sua vitória, prometendo não confrontar a imprensa de oposição, manter o crescimento econômico, e tirando ministros do governo anterior suspeitos de “malfeitos”.Por um período, Dilma conquistou os corações dessa fatia média da população.
Muitos desses membros da classe média, inclusive, não hesitam em lastimar que o próprio PT tenha deixado de ser um partido modernizador para aderir aos métodos dos “outros partidos”. É um paradoxo, pois eles sempre evitaram votar no PT e elegeram gente dos “outros partidos”. Foi a grande classe média tradicional que elegeu Collor contra Lula em 1989. E, outro paradoxo, Collor fez exatamente o que acusava ser a intenção de Lula: filou a poupança da classe média como sua primeira medida. Traída, não perdoou Collor: seus filhos pintaram-se de verde e amarelo no rosto e foram às ruas.
A classe média quer dinheiro e poder, mas também quer esperança e modernidade. Despreza o atraso dos caciques políticos do tipo Sarney e mesmo do falecido ACM, de Collor e do Renan Calheiros (cria de Collor). Esse é o lado positivo da classe média. Agora está ressentida e sente-se traída por Dilma, que julgava “diferente de Lula” e põe nela a culpa que atribuía a toda a classe política. É a lógica meio estranha do preconceito. Reconquistar a confiança da classe média vai depender do manejo da atual crise econômica, que bateu nos BRICs, não tenham dúvidas. Essa classe luta desesperadamente para ter segurança. Se o PT cometer o erro de apenas hostilizá-la, contrapondo-lhe o apoio dos mais pobres, estará deixando-a mais insegura. Aliás, o PT já virou em parte, há algum tempo, um partido de classe média, sobretudo de funcionários públicos. Deve saber que a “classe B” precisa de carinho, de muito carinho. Além de poder ir a Miami, é claro.
*Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP e jornalista.
HANNAH ARENDT, UM FILME SURPREENDENTE.
O filme "Hannah Arendt", dirigido pela alemã Margarete Von Trotta, com a talentosa veterana Barbara Sukowa no papel principal, é uma preciosidade. Não tanto como obra cinematográfica, bastante correta, nada excepcional, mas surpreendente. Um excelente relato histórico e um grande estímulo ao pensar. É instigante ao dar vida a um momento decisivo de Hannah Arendt na aventura do pensamento e da história contemporânea. O momento dramático em que ela formula sua reflexão sobre o "mal radical"(Kant)a partir de um evento histórico inédito: o julgamento do nazista Eichmann, o chefete de Auchwitz, realizado em Jerusalém após seu sequestro pelo Mossad em Buenos Aires, na virada dos anos 50 e no início dos anos 60. O filme revela o impacto negativo nos meios liberais norte-americanos e judaicos, inclusive em Israel, de uma série de artigos de Arendt, professora de teoria política ,e judia, na revista New Yorker sobre o julgamento de Eichmann. Hoje, depois que sua teoria da "banalidade do mal" é bastante conhecida, o tamanho do impacto e do enorme mal-entendido a respeito parecem exagerados. Mas o filme nos mostra minuciosamente como a polêmica fazia sentido naquele contexto histórico, quando o mundo ainda recolhia informações sobre o tamanho do Holocausto e se indignava com as revelações da extensão do genocídio totalitário. Nesse clima, fica ainda mais notável a coragem da filósofa. A questão central reside na ambiguidade de toda ação política, que costuma ser eliminada pelas ideologias e pela simplificação do tipo amigos versus inimigos -- segundo o conservador Carl Schmidt, essa dicotomia simplificadora faz parte da própria natureza do campo da ação política. Arendt é acusada de defender Eichmann e até de denegrir líderes judeus, por sua análise "fria" tanto do julgamento quanto de alguns fatos do período agudo de execução de seis milhões de judeus na Europa pelo nazismo. A filósofa cometeu o crime de , primeiro, tentar "compreender" (Verstand) os fenômenos, descrevendo-os em sua facticidade bruta e penetrando no seu sentido. Fiel ao pensar filosófico que aprendeu com Heidegger, ela cometeu o segundo crime: percebeu que a natureza do totalitarismo consiste em destruir o Sentido das palavras e das experiências, banalizando-o ao extremo para que todo o mal seja possível. Até mesmo um filósofo do calibre de Isahiah Berlin não compreendeu isso e criticou Arendt por ter "caído" no conto de fadas de Eichmann, que se teria apresentado medíocre, comum e meio idiota no julgamento a fim de se safar de uma condenação. Berlin insistiu: Eichmann foi um entusiasmado revolucionário nazista desde que o movimento se instalou, acreditava na ideologia de Hitler e queria levá-la à ação. Não seria , pois, um mero burocrata que alegava cumprir ordens. Ao perceber além dessas aparências óbvias,Arendt notou a natureza da alegação do medíocre burocrata Eichmann de que, no seu departamento, cumpria ordens, obedecia à hierarquia e ao seu "führer", mas ela percebeu sua adesão estúpida a essa crença. Ele considerava que atendia a uma exigência administrativa ao organizar as tarefas do assassinato de milhões de pessoas no "seu departamento". Arendt desvendou o mistério de uma ordem totalitária: destruir o pensamento, impedir de pensar, rotinizar e banalizar as ações, afim de que tudo seja "non sense". Ou seja, retirar o sentido emocional e mesmo racional da vida humana, banalizar as ações de destruição, destituindo-as de significado. E isso valia tanto para os carrascos quanto para as vítimas. Ao lembrar da condição das mulheres no campo de detenção na França, onde esteve por um período não muito longo, ela descreve a progressiva desistência delas de se cuidarem, de usarem a energia para pensar ou lutar. Depois, aplicou essa percepção à condição dos líderes judaicos nos guetos e nos campos, alguns deles "colaboradores" dos nazistas por não poderem pensar e não terem meios de resistir à rotinização da morte. A ideologia, inclusive a sionista, e a paixão política cegaram a compreensão de muitos contemporâneos de Arendt sobre sua ideia, com raras exceções, como sua cética amiga Mary McCarthy, escritora de talento e conhecedora da genialidade de Hannah. Até mesmo um filósofo como Hans Jonas, o epígono da Escola de Frankfurt no campo da ética, não foi capaz que compreender que não se tratava de uma questão de "oportunidade estratégica" para atacar o nazismo e defender as vítimas -- o que Arendt fez com brilho e nenhuma evasiva, sobretudo por dirigir seu olhar para a essência do método totalitário: a destruição do Sentido. Aliás, a ação de coação contra Arendt, a pressão ideológica, emocional e os "actings" dramáticos para que cedesse às "evidências" e conveniências politicas, teve um quê de totalitarismo, forçando-a a não pensar. A própria Arendt comenta que, no afã de calá-la, seus críticos nem perceberam o paradoxo final do seu trabalho: o "mal radical" não é profundo, mas banal. O discurso dela aos alunos curiosos e sedentos de explicações e aos professores que queriam demiti-la da New School, de N. York, não deixa a menor dúvida de que ela cumpriu a trágica tarefa socrática do filósofo, a do compromisso com o desvelamento da verdade.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
PARA ENCARAR A REALIDADE POLÍTICA ATUAL
"É preciso ter o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade e da ação". Antônio Gramsci, filósofo e político,nos seus escritos no cárcere fascista.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
QUAL O SEU MODELO DE PSICANALISAR?
Já se tornou lugar comum e, o que é pior, moda entre os psicanalistas de formação inglesa (falo das sociedades brasileiras de linhagem "britânica") repetirem que, como sugeriu o francês André Green, está na hora de repensar o "modelo mãe-bebê" e talvez substituí-lo por um "novo" modelo -- o "modelo sonho".
Como assim, "substituir" ou mesmo adotar um "novo" modelo? O modelo-sonho já existe há muito tempo, diz respeito à principal obra dos inícios da psicanálise, "A interpretação dos sonhos" e foi mantido tanto na Primeira quanto na Segunda tópicas. Nem mesmo Green, autor da ideia, sugere que se trata de um "novo" modelo interpretativo. O que ele diz é que o modelo mãe-bebê, de origem kleiniana, está um tanto saturado, já deu o que tinha para dar. O que ele propõe é um retorno a Freud!
Os nossos ingleses precipitam-se em dois sentidos : 1. ao aceitar sem mais, sem arrazoado cuidadoso, o diagnóstico de Green, segundo o qual o modelo mãe-bebê saturou; na verdade, o que ele fazia com notável senso de ironia e humor,era a crítica dos modelos kleinianos, que teriam levado a uma espiritualização e a uma dessexualização da psicanálise (malgrado a intenção e a obra literal da própria Klein); 2. parecem acreditar que o modelo sonho foi uma descoberta bioniana e não um retorno do próprio Bion a Freud. Este é o equívoco maior. No afã de atestar a originalidade absoluta e a legitimidade da obra bioniana, retraduzem a obra freudiana (para muitos deles "superada"), inclusive atribuindo prioridade autoral a Bion de vários conceitos e pensamentos já contidos em Freud com todas as letras! É o caso do "modelo-sonho".
Digam-me uma única obra técnica ou caso clínico de Freud em que ele não utilize , primária ou subsidiariamente, o modelo-sonho, inclusive no que diz respeito à associação livre, à escuta no enquadre, à atenção flutuante e à atribuição de sentido às defesas e aos mecanismos evasivos análogos aos mecanismos metafóricos e metonímicos do sonho. Isto, sem falar nas obras teóricas e até na sua Metapsicologia!
Com relação à obra de Green, está acontecendo algo semelhante ao que Alice, a do País das Maravilhas, chamava de palavras-valise, nas quais cabem vários sentidos, às vezes, contraditórios. A obra de Green tornou-se uma espécie de obra-valise. Até por ser muito rica e por ele ter assumido explicitamente (sobretudo na introdução ao seu "La Pensée Clinique")a adesão a uma epistemologia complexa, cada um tira o que quiser dessa produção multifacetada. Tem Green para todos os gostos: um winnicottiano, um bioniano, um ex-lacaniano,um Green eclético, outro hegeliano(do trabalho do negativo) e,obviamente, um freudiano -- o que ele sempre dizia que era.
Lembro-me de uma palestra de Green, pronunciada na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, lá pelo final dos anos 80 (ou será início dos 90?). Ele abriu da seguinte maneira: "O que há de novo em Psicanálise é Freud!"
domingo, 14 de julho de 2013
FREUD OBSOLETO?
Gosto da questão de Lacan: como dizer que Freud é obsoleto se nós ainda não o entendemos?
sexta-feira, 12 de julho de 2013
NOSSOS COMENTARISTAS POLÍTICOS
É impressionante como nossos melhores comentaristas políticos escrevem apenas para os colegas, para os que pensam igual a eles e para aqueles que esperam deles o seu bom mocismo. E como continuam a fingir que acreditam em duendes. Como querem fazer parte da campanha de desmoralização de Dilma, eles "acham" que existem "trapalhadas" da presidenta onde há luta política, sobretudo na base do governo. E luta política até violenta. Para quem não lembra, fizeram isso com João Goulart em 64, pintando o ex-presidente como mal assessorado e incompetente. Hoje, sabemos tudo o que houve-- até intervenção da esquadra naval norte-americana fazia parte do esquema golpista. O problema é que nossos comentaristas fazem parte dessa luta. Uma parte fortemente interessada e expressiva. Estão em plena campanha proto-eleitoral para defenestrar a presidenta. Como diz Leonardo Boff, as oposições, incluídos aí nossos melhores comentaristas, querem obter pelo desgaste, a confusão e a mentira o que não conseguiram pela via democrática. Quem se lembra da história e dos métodos do sistema, deve se preparar para defender Dilma. João Goulart era "manipulado" pelos comunistas e os corruptos, Dilma por Lula e esses monstros petistas, todos, é claro, igualados na corrupção e na subversão. Já vimos esse filme, mas ocorre que nossos melhores comentaristas só ouvem luminares como Serra(fonte principal da Folha!) e acreditam que não há condições para um novo golpe militar. Não há mesmo. Só que , com o congresso que temos, é possível até um golpe paraguaio.
UMA PALAVRA
Aos poucos, uma palavra fora de moda desde o final do século XX volta a ser dita, escrita e discutida. Nas últimas três décadas, foi esquecida ou teve o sentido distorcido para signifcar simples mudanças tecnológicas, reviravoltas no consumo e no comportamento das pessoas. Pregava-se o "pensaqmento único" em mais de 160 países. Era a época do neoliberalismo triunfante, do mercado 'cassino" e de governos liderados por gente fina como a família Bush, Bill Clinton, Tony Blair, FHC aqui e Menen na Argentina. No início do novo século a situação começou a virar. Os EUA davam sinais de crise, surgiu a praga do terrorismo, vinda de povos excluídos da festança.A Argentina faliu. A Europa entrou em "looping". O Brasil, sob FHC, quebrou três vezes, sendo salvo pelo governo Clinton duas delas. Agora, desde 2008, o mundo segue um caminho errático de crise européia e rebeliões em toda parte. O Brasil engoliu o pós-neoliberalismo da era Lula e se tornou parte dos BRICs, área onde a crise é menor, mas existe. E a palavra que voltou a ser pronunciada em toda parte,no início timidamente,mas restaurando seu sentido sobretudo na periferia do capitalismo: revolução.
quinta-feira, 11 de julho de 2013
NACIONALISTAS E PATRIOTAS
Houve época nem tão distante em que essa notícia da espionagem norte-americana nas comunicações brasileiras deixaria boa parte da nossa população revoltada. Pobres e ricos, direita e esquerda, centro e meia-direita, centro esquerda e alienados em geral -- todos tínhamos um certo melindre com intervenções norte-americanas em nossas vidas. Éramos vagamente nacionalistas, às vezes ardentemente. Havia em comum um sentimento de que os EUA abusavam de sua arrogância e desprezo pela América Latina. Além , é claro, de alguma inveja latino-americana do poderio do Grande Irmão do norte, que nos considerava sua "área de influência", para não dizer zona de dependência. As coisas mudaram um pouco. A globalização econômica, que consagrou a interdependência como ideologia oficial das nossas elites, matou o nacionalismo e naturalizou a absorção do "way of life" norte-americano. Nossa classe média adora Miami e tudo o que representa no seu imaginário hollywoodiano. Os mais conservadores julgam que evoluímos ,"amadurecemos", perdemos o complexo de inferioridade e...nos entregamos ao consumo desenfreado dos signos e dos objetos do capitalismo norte-americano. Isso é o que dizem os conservadores mais sofisticados. Existem aqueles que ainda estão na Guerra Fria e pedem a proteção do "guarda-chuva" naval e nuclear dos EUA. Nenhuma dessas figuras do após-globalização (leia-se: fase neoliberal) ostenta o titulo de Nacionalista. Agora, são todos Patriotas. Estranhos patriotas esses que não protestam contra as brutais violações norte-americanas do Direito Internacional. Devemos ter um pouco de medo dos patriotas, até porque o patriotismo continua a ser o último refúgio dos canalhas.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
UMA OUTRA ESQUERDA III
O viés racionalista de Marx era acompanhado, portanto, de um pressuposto idealista, segundo o qual os movimentos da História acompanhariam as linhas traçadas pela Razão (Dialética). Com isso, escapavam-lhe não só os elementos que não se encaixam na Razão, mas a própria riqueza da subjetividade humana.
É preciso deixar claro que não se trata, aqui, de condenar a racionalidade ou a razão, a ciência e a operacionalidade do discurso científico, em nome de uma suposta espontaneidade da Imaginação ou de uma "intuição" bergsoniana ou, mesmo, de um imaginário poético, como em Gaston Bachelard. Nada disso. Entendam, por favor. O "ser" , dizia Aristóteles, pode ser dito de várias maneiras. O ser não se reduz a um só estrato-- como. p.ex., a razão--, mas podem estar co-presentes e, às vezes, co-extensivamente relacionados diversos estratos do real. Podem ser, inclusive, vários estratos contraditórios entre si, compondo a complexidade do ser, como sugere a dialética marxiana.
As dicotomias tradicionais, como as do senso comum e até a cartesiana, cortam o ser em Espírito e Corpo, estabelecendo a primazia de um ou outro polo. Mas há autores como Maurice Merleau-Ponty, Castoriadis e a psicanalista Piera Aulagnier , para os quais é na imbricação e na interação de Carne e Significação que se dá o estar-no-mundo. Não há pensamento sem corporeidade, não há corpo humano vivo sem pensamento. Estabelecer o primado de um estrato significaria romper a ambiguidade da condição humana. Por essa ótica, o ser é corpo e espírito, e flui da constituição magmática de uma imaginação radical que não se confunde com o Inconsciente, mas que é sua fonte e pressuposto. A criatividade primária da imaginação radical, cujo fluxo constante de imagens, afetos, representações, fornece e sustenta configurações e reconfigurações da vida-- pessoal, política e mesmo racional. Que não se confunda imaginação com a capacidade, de resto presente nos seres humanos, de reproduzir imagens, mimetizando o "mundo"; nem é o campo do erro, do engano e da distorção subjetiva. Até mesmo Lacan caiu nessa armadilha de reduzir o imaginário ao erro e à ilusão, descrevendo-o como o registro do equívoco, deixando ao registro do Simbólico a função de desfazer os equívocos da imaginação.
A imaginação radical produz, sem dúvida, disfuncionalidade no ser humano. O ser da Psique é disfuncionalizado pela ruptura produzida por essa capacidade da imaginação radical de inventar. É o que distingue, dizia Castoriadis, o homem do animal. O animal é "racional" pois segue funcionalmente seus instintos. É racionalmente programado no plano biológico. O homem, não. Ele tem essa possibilidade de criar monstros, como Hitler ou uma perversão, mas também a ciência, a arte e a tecnologia. O homem criou regimes políticos e religiões. Tudo fruto dessa disfuncionalidade criativa que podemos chamar de imaginação radical. Castoriadis postula que ocorre no ser humano uma ruptura entre os mecanismos psíquicos e o seu substrato orgânico-- que não se opõe ao espírito, mas o sustenta em sua criatividade. Isto significa que o psíquico não está submetido a "processos" regulatórios instintivos e biológicos. Mas isto não quer dizer que Castoriadis separasse ao final corpo e alma, ou que hipostasiasse esta última na forma de "imaginação".
Afirmava ele: "Não pode haver, em nível filosófico, distinção última essencial entre alma e corpo, psique e soma. Como já dizia Aristóteles, "o cadáver de Sócrates não é Sócrates", mesmo se ainda está quente. É impossível conceber o espírito de Kant no corpo de Ava Gardner, e o inverso. Aristóteles tinha razão quando dizia que a alma é forma de um corpo vivo. A alma é ,antes de tudo, a vida -- e a vida é a própria existência do corpo".( 'Fait et à faire',v.V dos "Carrefours du labyrinthe", pg.90)
A psique humana distingue-se, pois, do animal não pela racionalidade, mas por sua disfuncionalidade.(Este post vai continuar).
terça-feira, 9 de julho de 2013
ZIZEK À VONTADE NA TV.
Sempre achei o filósofo Slavoj Zizek brilhante em algumas análises e lastimável em outras. Há um fio autoritário e anti-democrático em suas propostas para a democracia no mundo. Seu culto ao Estado hegeliano, sua indisfarçável admiração pelo capitalismo de Estado da China ou de Cingapura, seu desprezo pela descentralização do poder e pelas "ridículas" idéias de democracia direta e autogestão, tudo isso cheira à velha esquerda dogmática sob uma 'falação'(Lacan)de fachada pós-moderna. Ele desconfia dos atuais movimentos populares no mundo, pois são "espontâneos" e "não sabem o que querem". Zizek sabe o que quer: a volta da vanguarda leninista que tudo dirige e comanda. E de um Estado forte que 'submeteria' o que há de randômico e imprevisível na História. Seu ídolo, Hegel, aquele da História Consumada, dava algum espaço para a indeterminação e a criação. Zizek faz que vai aceitar a abertura, mas a fecha em seguida. Prefiro quando fala de cinema e se apresenta como "filósofo pop", analisando a irrealidade do capitalismo.
quinta-feira, 4 de julho de 2013
ONDE ESTÃO OS SANITARISTAS DE VERDADE?
Os médicos paulistanos que desfilaram na avenida contra a presumível vinda de médicos estrangeiros ao Brasil poderiam ser mais patriotas e mudar os seus consultórios com FM na sala de espera para o Amazonas, o Tocantins, o Piauí, o interior de Pernambuco ou da Bahia, os grotões do Amapá e do Acre. Mas não farão isso. Sabem por quê?
É que com Medicina preventiva, como médicos de "pés descalços", indo à casa dos pacientes no fundão do País, não dá para ganhar o suficiente para o ar condicionado e o carrão Audi ou Mercedes que eles podem ter em São Paulo. Ou que já receberam de presente do Papai ou dos laboratórios e seguradoras de saúde, que também organizam e pagam seus Congressos.
Será que tem shopping chique no interior do Maranhão? Como fariam para se especializar em cirurgia plástica ou dermatologia cosmética? Dilema profundo! Uma dessas médicas de luxo, carregava um cartaz assim: "Dilma , vá tratar o seu linfoma em Cuba!" Gente fina é outra coisa!
quarta-feira, 3 de julho de 2013
A DIREITA CONTRA-ATACA
Direitistas de todos os tipos estão soltando a franga. O abjeto cartola da CBF, Sr. José Maria Marin, "vingou-se" da presidenta Dilma, impedindo os jogadores da seleção vitoriosa na Copa das Confederações de a visitarem. A visita era uma praxe em todas as copas que o Brasil venceu. Todos sabem por que ele fez isso. Dilma sempre se recusou a apertar a sua mão sebosa e suja do sangue de Vladimir Herzog. O sabujo da Ditadura sente-se politicamente forte com a queda de popularidade da presidenta. Pôs as mangas de fora, mostrando sua arrogância autoritária. Por um lado, vamos bem com a pressão popular por reformas, por outro, vamos mal, muito mal, com a emergência de forças vindas das trevas. E só faltaram editoriais elogiando a "atitude" de Marin, esse herói da direita -- mas, aí, seria demais. O "dono" das AMAs de Santo Amaro e Zona Sul, ligado a hospitais que parasitam o sistema que começou com o PAS do Sr. Maluf e ganhou foro universal com o vampiro brasileiro, Sr. Serra, é uma figura sinistra. Teve até o atrevimento de roubar uma medalha destinada a um jogador num dia de premiação, na frente das câmeras de TV do País. Mas a mídia habitual faz vista grossa sobre quem é esse cidadão ressuscitado pelos pés inocentes de Neymar Jr. e seu magnífico novo grupo. Era de se esperar que a mídia se comportasse assim, com a honrosa exceção de Juca Kfouri, pois ela constitui a força de direita mais poderosa do País. E também está pondo as mangas de fora, revelando-se cada vez mais, pois exibe desiniba a sua euforia com a crise econômica ter atingido o Brasil. Marin e parte da mídia parecem torcer por nós, mas querem a derrota e o cáos. Quanto mais desordem ,para eles é melhor.
SOBRE O EU "PÓS-MODERNO"
"Quero ser livre, quero, sobretudo, ser livre de mim mesmo".
Marcel Duchamp, que não era só um cachimbo ausente.
PENSAR É BOM
"Exijo a possibilidade de viver plenamente a contradição da minha época, que pode fazer de um sarcasmo a condição da verdade".
Roland Barthes, in "Mythologies" (prefácio).
UMA OUTRA ESQUERDA II
A nova política de esquerda pressupõe algo que começou na Grécia antiga, teve picos de manifestação em Roma e no mundo pós-romano, emergiu nas revoluções inglesa e francesa, assim como na Declaração de Direitos da Revolução Norte-americana, de 1776, que até antecedeu a mais célebre, a francesa, em 1789,e as duas revoluções russas, a de 1905 e a de 1917. Ou seja, essa nova política pressupõe a busca de autonomia humana, que consiste em se relacionar com liberdade e justiça.
Esta política tem ,portanto, uma tradição revolucionária e envolve um trabalho da imaginação.
Reconhecer um primado da imaginação significa atribuir um papel menos central, ou mais relativo, à razão -- ao contrário do que fazia Marx e ainda repetem seus herdeiros. Marx era um racionalista estrito, um autor que buscava as Leis da História.
A imaginação, por outro lado, é a "louca da casa", como dizia a mística e poeta Sta. Teresa. É a fonte disruptiva das determinações postas e a possibilidade de criar novas determinações ou configurações do ser. É o devir em marcha, sem obedecer às Quatro Leis da Dialética.
Sendo um racionalista estrito, Marx buscou representar uma imagem da sociedade à luz de uma lógica excludente, centrando a base estrutural da vida na economia. A História seria a realização das leis econômicas ou sua "historização", seja na forma da política, das artes e da cultura, que refletiria na superestrutura, em última instância, essa legislação de base. Nesse ponto, há uma confluência entre Marx e os liberais: tudo se refere à economia e à propriedade. O reino da liberdade, para Marx, seria livrar-se da necessidade econômica -- pelo comunismo. Esse reino, para liberais e neoliberais, consiste também em livrar-se da necessidade econômica -- tornando-se proprietário e patrão. Uma solução inclui o compartilhamento com o outro. Já o liberalismo é menos generoso -- o negócio é levar vantagem, certo?. É a solução egoísta do individualismo possessivo. Mas, no fundo, podemos nos perguntar se o "socialismo real" não escamoteava e escondia o egoísmo, recobrindo-o de ideologia, para justificar a apropriação do excedente do trabalho humano, via Estado, em benefício da camarilha do Partido. Curiosamente, na Rússia pós-soviética, francamente capitalista, mais de 80% dos novos milionários são de ex-integrantes dessa camarilha e de mafiosos saídos do estrato de lumpen do funcionalismo público. A riqueza sequer mudou de mãos, só o nome do regime. A própria gestão política continuou sob a direção de ex-membros da polícia política, cujo signo mais notório era KGB.
O socialismo, para Marx, deveria decorrer logicamente do movimento da Razão inscrito no novelo do Capital, como diz sua obra mais notável de crítica da economia política("O Capital" é hoje muito lido também por neoliberais).Seria pelo desenvolvimento das forças produtivas (e não pelo seu "esgotamento", como acreditam os que não leram ou deformam a leitura), que o capitalismo explodiria e daria origem a uma forma superior de organização social, a sociedade sem classes definidas pela produção e exploração do excedente do trabalho.
Não por acaso, marxistas "evolucionários" como Eduard Bernstein, acentuaram o que já havia na obra marxiana: o socialismo viria "naturalmente" pelo desenvolvimento pleno do capitalismo, rompendo as amarras estruturais e superestruturais existentes. Não por acaso, Marx dedicou sua obra a Charles Darwin, esse notável naturalista que inspirou tantos outros autores, inclusive Freud.
O mais curioso é que mesmo os marxistas que fugiram da linhagem "reformista" bernsteiniana e da II Internacional socialdemocrata mantiveram a crença no determinismo racionalista de Marx. Apenas o "corrigiram" quanto aos fatores políticos e mesmo econômicos
que interfeririam na legislação da História. Lênin e, depois, Stálin, com diferentes níveis de grandeza e talento, cuidaram de adaptar o marxismo à condições russas, orientais e subdesenvolvidas do capitalismo, tornando-se os principais "revisionistas", mas acusando disso, é claro, os rivais Bernstein e Kautsky, tidos por "renegados" e "traidores" -- aí, já estávamos em plena construção do totalitarismo.
Fato é que lhes escapava o elemento que não se encaixava na Razão totalizante. Não só isso, fugia-lhes também a própria riqueza da subjetividade humana. Nada existiria de randômico na História? Não há acaso, só necessidade? Os movimentos irruptivos e circunstanciais não importam? A imaginação coletiva, na forma de religiosidade ou outra construção subjetiva, não têm importância nenhuma na maneira de constituir a cena histórica? (Continuaremos com este questionamento e reflexão num próximo post com o mesmo título.)
terça-feira, 2 de julho de 2013
UMA OUTRA ESQUERDA
Existe uma esquerda que não é marxista. Nem antimarxista -- entenda-se com clareza. É ,antes, pós-marxista. Ela considera urgente desmontar o aparato capitalista que submete a vida ao processo de produção e faz girar a condição humana em torno dos objetivos exclusivos de crescimento econômico ilimitado e do consumo irrefreável. Tem, portanto, em comum com a corrente marxista clássica o anti-capitalismo e o repúdio à sujeição dos povos às iniquidades, desigualdades, desperdício e destruição engendradas pela lógica e tecnológica do Capital.
Essa nova esquerda, contudo, não considera como alternativa válida ao capitalismo o retorno ao regime de classes do totalitarismo chamado de "socialismo real" e de suas variantes.
Esse termo foi cunhado pelo ex-secretário geral do PC soviético, Leonid Brejnev, para designar o sistema burocrático de exploração e de privilégios, falsamente espartano, que havia no Leste Europeu e em outros pontos, como China, Coréia do Norte e Cuba. Esse sistema sobreviveu, mais ou menos incólume, em meio a crises sucessivas do seu capitalismo de Estado até 1989, quando começou a ruir. Muitos disseram : ruiu como um castelo de cartas. Brejnev, que governou no período mais próspero da então URSS, na década de 70 até o início dos 80,usou essa expressão para identificar e justificar ideologicamente o seu regime, invocando uma espécie de "realismo" político do tipo medíocre. Seu raciocínio era mais ou menos assim: isso é o possível, é o que temos, o resto é utopia.
Os marxistas mais sofisticados repudiam esse tipo de raciocínio, bem o sabemos. Apontam nele um determinismo pobre, mecânico e típico do stalinismo. Eles têm razão quanto à pobreza e mediocridade da justificação ideológica, mas ficam nisso. Não vão muito além, quando não se omitem, fazem de conta que não existiu o "socialismo real", com sua tirania de campos de concentração, seu universo concentracionário e sua perseguição às artes e à cultura.
No máximo fazem como os herdeiros da Escola de Frankfurt, que assinalam a existência de um problema à esquerda, mas contrapõem ao "socialismo real" uma espécie de crítica cultural e filosófica, fundada no elogio da "negatividade pura" saída dos textos de Hegel. É um pouco aquilo que o próprio Marx apontou no "hegelianismo de esquerda" de sua juventude: a crítica da crítica crítica....E só. Esta é uma espécie de crítica "espiritual" do capitalismo, consistente num uso da razão, situando-a sempre à esquerda daquilo que está na realidade social. Omite um componente essencial da política, que não é só a "arte do possível" nem uma crítica filosófica.
A política, a verdadeira política, contém um elemento de criatividade e de invenção apontado por autores tão diversos entre sí como Cornelius Castoriadis, Hannah Arendt, Claude Lefort e mesmo Edgar Morin, ao seu modo. Eles falam de uma política criativa que não é utópica, mas constitutiva de novas determinações. Criadora, portanto, de novas realidades. (Continuaremos a falar desta tendência no próximo post)
segunda-feira, 1 de julho de 2013
REVOLUÇÃO?
O que é uma revolução?
O senso comum,a mídia,a Igreja,o Departamento de Estado dos EUA, a direita brasileira costumam confundir,muitas vezes maliciosamente, revolução com violência.Houve violência ao longo da história em revoluções,sobretudo na fase de implantação institucional do novo regime.Mas não tem que ser necessariamente assim.
Revolução não significa derramamento de sangue nem guerra civil.Tampouco é revolucionário apenas o sujeito que pega em armas,ainda que não se deva censurar aqueles que, por circunstâncias históricas, foram levados a empunhar armas contra regimes violentos e opressivos.Alguns participaram de revoltas, rebeliões, guerrilhas, levantes, mas não necessariamente de verdadeiras revoluções. Há violência em golpes de Estado e contra-revoluções e, obviamente, nem por isso constituem revoluções.
Castoriadis definiu revolução como a transformação de certas instituições centrais da sociedade pela atividade da própria sociedade; ou seja, "a autotransformação explícita da sociedade, condensada num período breve". Lembra ele: a revolução de Clístenes em Atenas -- da qual, em certo sentido, continuamos sendo os herdeiros-- não foi violenta.Outro exemplo:se o rei da Inglaterra tivesse sido mais bem aconselhado, a Revolução Americana não teria tido nenhuma dimensão militar ou violenta;nem por isso deixaria de ser uma revolução.A revolução de fevereiro de 1917 na Rússia também não foi violenta: no segundo ou terceiro dia, os regimentos do Czar se recusaram a atirar contra a multidão e o antigo regime caiu.
Revolução expressa "a entrada da parte essencial da comunidade numa fase de atividade política". Mas não se reduz a isso. É necessária uma autotransformação institucional profunda da sociedade. O que está acontecendo no Brasil atual não é uma revolução, mas poderia evoluir para essa direção. A assim chamada crise de representação política, a distância brutal entre os "representantes do povo" e o próprio povo, levou todos os setores da sociedade, ricos e pobres, civis e militares, empresas e trabalhadores a uma descrença e falta de confiança na chamada classe política, que representa interesses próprios ou de outros particulares e não os de quem os elegeu. O fetichismo da representação política, como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu, é simbolicamente semelhantes ao fetichismo da mercadoria : quem a produziu não se reconhece mais nela e se vê obrigado a se submeter, reverenciar e desejar possuí-la. O desprezo pelos partidos revelou-se em recente pesquisa: todos os políticos partidários caíram de popularidade, menos aqueles que vieram de fora do sistema, até mesmo os sem partido, como o juiz Barbosa e Marina Silva. Isso não deve ser repudiado como um sinal de fascismo, ainda que exista o perigo da anti-política tendente ao extremismo de direita. O que está em questão na periferia do capitalismo, mas também nos seus países centrais, é justamente esse fetiche que deu origem a uma democracia artificial, apartada da realidade. O anseio é de participação, não da farsa pseudodemocrática, mas das decisões efetivas sobre os recursos, sobre a vida institucional e coletiva. Os revoltosos brasileiros, os que marcham em torno de slogans, às vezes, contraditórios, querem o fim de uma "democracia de araque" e o início de um regime de participação debaixo para cima, direta e coletiva.
O senso comum,a mídia,a Igreja,o Departamento de Estado dos EUA, a direita brasileira costumam confundir,muitas vezes maliciosamente, revolução com violência.Houve violência ao longo da história em revoluções,sobretudo na fase de implantação institucional do novo regime.Mas não tem que ser necessariamente assim.
Revolução não significa derramamento de sangue nem guerra civil.Tampouco é revolucionário apenas o sujeito que pega em armas,ainda que não se deva censurar aqueles que, por circunstâncias históricas, foram levados a empunhar armas contra regimes violentos e opressivos.Alguns participaram de revoltas, rebeliões, guerrilhas, levantes, mas não necessariamente de verdadeiras revoluções. Há violência em golpes de Estado e contra-revoluções e, obviamente, nem por isso constituem revoluções.
Castoriadis definiu revolução como a transformação de certas instituições centrais da sociedade pela atividade da própria sociedade; ou seja, "a autotransformação explícita da sociedade, condensada num período breve". Lembra ele: a revolução de Clístenes em Atenas -- da qual, em certo sentido, continuamos sendo os herdeiros-- não foi violenta.Outro exemplo:se o rei da Inglaterra tivesse sido mais bem aconselhado, a Revolução Americana não teria tido nenhuma dimensão militar ou violenta;nem por isso deixaria de ser uma revolução.A revolução de fevereiro de 1917 na Rússia também não foi violenta: no segundo ou terceiro dia, os regimentos do Czar se recusaram a atirar contra a multidão e o antigo regime caiu.
Revolução expressa "a entrada da parte essencial da comunidade numa fase de atividade política". Mas não se reduz a isso. É necessária uma autotransformação institucional profunda da sociedade. O que está acontecendo no Brasil atual não é uma revolução, mas poderia evoluir para essa direção. A assim chamada crise de representação política, a distância brutal entre os "representantes do povo" e o próprio povo, levou todos os setores da sociedade, ricos e pobres, civis e militares, empresas e trabalhadores a uma descrença e falta de confiança na chamada classe política, que representa interesses próprios ou de outros particulares e não os de quem os elegeu. O fetichismo da representação política, como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu, é simbolicamente semelhantes ao fetichismo da mercadoria : quem a produziu não se reconhece mais nela e se vê obrigado a se submeter, reverenciar e desejar possuí-la. O desprezo pelos partidos revelou-se em recente pesquisa: todos os políticos partidários caíram de popularidade, menos aqueles que vieram de fora do sistema, até mesmo os sem partido, como o juiz Barbosa e Marina Silva. Isso não deve ser repudiado como um sinal de fascismo, ainda que exista o perigo da anti-política tendente ao extremismo de direita. O que está em questão na periferia do capitalismo, mas também nos seus países centrais, é justamente esse fetiche que deu origem a uma democracia artificial, apartada da realidade. O anseio é de participação, não da farsa pseudodemocrática, mas das decisões efetivas sobre os recursos, sobre a vida institucional e coletiva. Os revoltosos brasileiros, os que marcham em torno de slogans, às vezes, contraditórios, querem o fim de uma "democracia de araque" e o início de um regime de participação debaixo para cima, direta e coletiva.
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